Start of Main Content

The Museum is Open

The Museum building will remain open to the public through October 17, 2025. For more information about visiting the Museum, please visit Plan Your Visit.

O ator Ralph Fiennes participou de alguns filmes sobre o Holocausto. Neste podcast, ele conversa com o jornalista Bob Woodward sobre o seu papel como o oficial das SS Amon Goeth, no filme vencedor do Oscar, A Lista de Schindler.

Transcrição

ALEISA FISHMAN: Bem-vindo a Vozes Sobre o Anti-Semitismo, uma série de podcasts do Museu Estadunidense Memorial do Holocausto, a qual foi possível graças ao generoso apoio da “Oliver and Elizabeth Stanton Foundation”. Meu nome é Aleisa Fishman. O podcast desta semana é um pouco diferente dos demais. O que você irá ouvir é uma conversa entre o ator Ralph Fiennes e o jornalista Bob Woodward, gravada antes de uma entrevista ao vivo, aqui no Museu do Holocausto. Fiennes participou de alguns filmes sobre o Holocausto. Neste podcast, ele fala sobre o seu papel como o oficial das SS Amon Goeth, no filme vencedor do Oscar, A Lista de Schindler.

Diretamente do Museu Norte-Americano Memorial do Holocausto, Ralph Fiennes e Bob Woodward.

BOB WOODWARD: Conte-nos como você conseguiu o papel do comandante nazista Amon Goeth.

RALPH FIENNES: Steven Spielberg estava em Londres escalando o elenco para todos os papéis do filme. Fui convidado para encontrá-lo, e então nos reunimos de maneira informal. Eu havia mergulhado na leitura do livro de Thomas Keneally chamado A Arca de Schindler. Li o livro e não estava certo sobre qual o papel para o qual eu estava sendo sondado, se era o de Schindler ou o de Amon Goeth. Então, alguns dias depois, recebi uma página, que era, na verdade, um amálgama de diferentes falas do roteiro em um único discurso, e resolvi por mim mesmo ir a um estúdio de gravação londrino gravar a mim mesmo. Lá, encenei o texto e fui meu próprio diretor, tendo como auxiliar de leitura um operador de câmara [de filmagem]. Esta foi a minha estréia como diretor de cinema. Enviei o resultado daquele teste para a produção e, um dia, de manhã cedo recebi uma ligação de Los Angeles dizendo: “O papel é seu”. Isto me deixou em êxtase, é claro. E foi assim que consegui o papel.

BOB WOODWARD: O que você aprendeu sobre o mal atuando nesse papel?

RALPH FIENNES: Bem, que ele acontece todos os dias. O mal é cumulativo. Ele acontece. As pessoas acreditam que têm que fazer um trabalho, assumir uma ideologia, que têm uma vida a levar adiante; elas têm que sobreviver, um trabalho a fazer, e isto ocorre todos os dias, passo a passo, pequenas concessões, pequenas formas de dizer a você mesmo que é assim mesmo que você deve levar a sua vida e, de repente, essas coisas podem acontecer. Quero dizer, eu poderia fazer um julgamento pessoal, privado, e dizer que ele [Goeth] era um homem terrível, mau, horrível, mas o meu trabalho era o de retratar o homem, o ser humano. Existe um pouco de banalidade, rotineira que eu acho importante, e isto também estava no roteiro. Aliás, em uma das primeiras cenas com o personagem Oskar Schindler, representado pelo ator Liam Neeson, eu [no papel de Goeth] dizia: “Você não entende o quanto isto é difícil, tenho de conseguir muitos, muitos metros de arame farpado e muitas estacas, e tenho de levar as pessoas do ponto A para o B”. Naquela cena, de certa forma, ele estava desabafando sobre as dificuldades do seu trabalho. Assim, eu suponho que você pode dar um passo para trás e é aí que o mal está, quando você pode recuar e olhar para ele.

BOB WOODWARD: Há coisas na vida de Goeth – você estudou muito a vida dele, não? Você leu, conversou com sobreviventes e mergulhou nisto tudo. Existem coisas que você tenha descoberto que ele fez e que não foram para o filme, que eram ainda mais horríveis?

RALPH FIENNES: Lembro das descrições, dos sobreviventes, que falaram sobre o terror que sentiam quando o viam. Ele aterrorizava as pessoas de Plaszów. Muitas das descrições sobre dele eram repletas do sentido de medo físico que as pessoas sentiam quando o viam.

BOB WOODWARD: Com o extremismo no mundo de hoje, em grande expansão – da esquerda, da direita, ou especialmente dos jihadistas, que fazem coisas contra os outros e no processo se suicidam – você acha que estamos nos aproximando de ações genocidas alarmantes, ou que são alarmantes para você, como ser humano?

RALPH FIENNES: Bem, eu acho que ninguém sabe exatamente o que é isso, como uma nação inteira pode ser liderada por uma voz, por um conjunto de idéias que podem ser ajustadas para criar uma ideologia, ideologia esta que faça a população acreditar ser correto destruir e erradicar outras pessoas e outras culturas. Isto está acontecendo desde então, [por exemplo,] no Camboja [no tempo do ditador Pol Pot], e é claro que as purgações da Rússia stalinista [quando Stalin executou milhões de opositores às suas idéias] foram outra versão desse tipo de genocídio. Acho que possivelmente existem crenças extremistas em todos os países. E pode haver uma reação. Um conjunto de crenças extremistas, que leva a coisas horríveis e destrutivas, pode criar uma reação igual ou até mesmo pior que a original. Acho que isso pode nos engolfar antes mesmo que nós saibamos que estamos envolvidos.

BOB WOODWARD: Você disse que quando interpreta um papel como esse, isso custa algo a você, que você faz algum tipo de pagamento. O que você quis dizer com isto? Fale sobre como você fez isto, fale sobre isto.

RALPH FIENNES: É difícil colocar em palavras o tipo de busca criativa que você fez. Cada ator tem uma idéia diferente sobre qual é o melhor método, qual é a sua abordagem, mas acho que é, provavelmente, um bom começo de composição do personagem é quando você procura aquela coisa dentro de você mesmo, que pode ser o que o seu personagem deverá está fazendo, pensando, ou sentindo no filme. Quero dizer, penso que algo foi perdido na minha cabeça, suponho, eu desenvolvi a idéia de que poderia haver perdido algo. Ele bebia muito, comia demais, e essas podem ser coisas que as pessoas fazem para si próprias, para que, de certa forma, se mantenham inteiras [psiquícamente]. Mas, acho que falando assim eu o isento demais [da responsabilidade pelos seus atos]. Eu não sei.

BOB WOODWARD: Você tinha que ser bonito para representar aquele papel?

RALPH FIENNES: Hum. Não, acho que não.

BOB WOODWARD: Mas há algo de fascinante naquele uniforme que você usava. Quero dizer, fale um pouco sobre isto, pois a imagem dele acaba intensificando o que estava acontecendo.

RALPH FIENNES: Bem, certamente acho que os uniformes, os das SS e os da Gestapo, foram desenhados por figurinistas de teatro. Acho que eles foram desenhados para criar um impacto, um efeito específico. O corte, as capas, a forma alta que elas possuíam, tudo aquilo foi desenhado, acho, por pessoas inteligentes que trabalhavam para Goebbels [ministro da propaganda do regime nazista] e para o Partido Nazista, para promover visualmente uma mensagem. Aquilo tudo foi feito de forma brilhante e, por isto, perturbadora.

BOB WOODWARD: Examinei muito material e, isto é interessante, uma critica ao filme A Lista de Schindler – porque, no geral, o filme é muito elogiado, assim como sua atuação, a direção de Spielberg e todo o resto – mas alguém disse que ao mostrar Amon Goeth, um personagem tão sádico, o filme distorceu o que o Holocausto realmente foi. Que, na verdade, as pessoas que participaram como algozes no Holocausto não eram pessoas psicóticas, [elas achavam] que apenas executavam pequenas funções [na máquina de destruição]. Aquela crítica segue dizendo que a forma como Goeth foi apresentado [como doente mental] abrandou o horror cru do genocídio. Há alguma veracidade nisso?

RALPH FIENNES: Acho que há, sim. Acho que há validade nesta afirmativa. Quero dizer, acho que o problema é que Amon Goeth não deve ter sido um psicótico, quer dizer que aquilo [para ele] era apenas o cotidiano.

BOB WOODWARD: Obrigado.

RALPH FIENNES: Muito obrigado.